Entrevista conduzida por Claire Smith,Virgin Net Limited, 22 de setembro de 1999
entrevista
Se existe um homem que conhece uma coisinha ou outra sobre viagens, deve ser o cara que comeu hambúrgueres e fritas no restaurante no fim do universo. Encontramos o autor Douglas Adams em sua nova residência nos Estados Unidos, para onde se mudara recentemente para as filmagens de O Guia do Mochileiro das Galáxias.
Qual a sua melhor lembrança de férias na infância?
Minhas férias quando criança foram bem modestas – o auge foi aos seis anos de idade, quando passei quinze dias em Isle of Wight. Lembro-me de ter pegado o que achava ser uma solha, embora ela tivesse o tamanho de um selo de cartas, e de sua morte logo após adotá-la como animal de estimação.
Desde a sua infância, você chegou a voltar lá?
Acho que voltei para Isle of Wight uma vez só. Fiquei em um hotel cuja diversão das noites era apagarmos as luzes do restaurante e ficarmos assistindo uma família de texugos brincando no gramado.
Para onde você foi na primeira vez que tirou férias sem os seus pais?
Fiz um mochilão pela Europa com dezoito anos de idade.
O que fez por lá?
Fui para Áustria, Itália, Iugoslávia e Turquia, sempre ficando em albergues para jovens e acampamentos, e suprindo minha dieta indo a passeios gratuitos pelas cervejarias. Istambul foi sem dúvida incrível, mas acabei com uma intoxicação alimentar e tive que voltar para Inglaterra de trem, dormindo no corredor próximo ao banheiro. Ah, bons tempos…
E você voltou lá?
Voltei à Istambul mais uma vez. Estava voltando de uma viagem da Austrália e, arbitrariamente, decidi descer em Istambul no caminho de volta. Mas pegar um táxi no aeroporto e ficar em um bom hotel, ao invés de pegar carona na traseira de um caminhão e dormir no quarto dos fundos de uma pensão barata, de certa maneira roubaram toda aquela magia. Fiquei andando pela cidade uns dois dias, tentando me livrar dos vendedores de tapetes e então fui embora.
Qual o lugar mais remoto, ou bizarro, onde já foi parar?
A Ilha da Páscoa é, com toda certeza, o lugar mais remoto da Terra, famoso por estar mais distante de qualquer lugar do que qualquer outro lugar. E é por isso que é estranho que eu tenha ido parar lá por acaso e por apenas uma hora. Aprendi uma lição muito importante com isso, que era – leia seu bilhete de viagem.
Quando esteve lá e por que?
Eu viajara de Santiago para Sidney e estava um pouco cansado – tinha passado as duas semanas anteriores procurando por focas – e não tinha me atentado para o itinerário do avião, até o momento que o piloto mencionou que iríamos fazer uma parada de uma hora na Ilha de Páscoa.
Havia uma pequena frota de microônibus no aeroporto que levava as pessoas para dar uma olhada rápida na estátua mais próxima enquanto o avião reabastecia. Foi muito frustrante porque se eu tivesse prestado atenção nisso um dia antes, poderia facilmente ter trocado minha passagem e ficado lá por mais uns dois dias.
Qual sua cidade favorita? O que mais te fascina nela?
No meu imaginário, é Florence, mas apenas por conta das lembranças das viagens que fiz para lá quando era estudante e os dias que passei de completo êxtase sob o sol, vinho barato, e arte. Visitas mais recentes cobriram aquelas lembranças do passado com congestionamentos e fumaça.
Hoje, acho que diria que minha cidade favorita é uma pequena cidade – Santa Fé, no Novo México. Amo o ar do alto deserto, as margaritas e o guacamole, as fivelas de prata dos cintos e a sensação de que as pessoas sentadas na mesa ao seu lado no café são provavelmente vencedoras do prêmio Nobel.
Qual foi a última vez que você fez um mochilão?
Há cerca de 10 anos, na ilha de Rodrigues, no Oceano Índico. Pegar carona era a única maneira de se locomover pela ilha. Não havia transporte público, porém algumas poucas pessoas possuíam Land Rovers, então era rezar para que elas passassem. Acabei indo parar em uma floresta, de madrugada, vestindo bermudas, porém tinha deixado meu repelente de mosquitos para trás. Resultado: passei a noite mais agoniante da minha vida.
Qual foi o seu lugar favorito enquanto estava na estrada em Last Chance to See?
Madagascar – embora, na verdade, tenha sido apenas um prelúdio para Last Chance to See. Adorei a floresta e os lêmures e o calor das pessoas.
Qual a estrutura feita pelo homem que você considera a mais interessante da galáxia?
A barragem que estão construindo em Três Gargantas no Yangtse. Embora talvez “desconcertante” seja uma palavra mais adequada. Represas quase nunca fazem o que foram planejadas para fazer, no entanto causam uma devastação além do imaginável. Mesmo assim continuamos construindo-as, e não consigo entender o porquê. Estou convencido de que se voltássemos bastante na história da espécie humana, acharíamos alguns genes de castor se desenvolvendo lá em algum lugar. É a única explicação que faz sentido.
Já esteve lá?
Nunca mais voltei ao Yangtse desde que as construções começaram. Espero nunca ver aquela coisa.
E a estrutura natural mais interessante?
Um peixe gigante de três quilômetros de comprimento na órbita de Júpiter, de acordo com uma matéria confiável da Weekly World News. A fotografia era bastante convincente e me surpreende que jornais mais respeitáveis como o New Scientist, ou até mesmo o The Sun, não tenham apresentado mais detalhes. Deveriam nos informar.
Se você tivesse que dizer o nome de um local que “parece que acabou de cair do espaço sideral”, em qual lugar você pensaria?
Fjorland, nas Ilhas do Sul, na Nova Zelândia. Um impossível aglomerado de montanhas, cachoeiras, lagos e gelo – o lugar mais extraordinário que já vi.
Se você pudesse ir para qualquer lugar do universo agora, para onde iria, como chegaria lá e quem e o que levaria com você?
A nível local, creio que Europa, uma das 16 luas de Júpiter. É um dos corpos celestes mais misteriosos do sistema solar, muito adorado por escritores de ficção científica, pois é um dos poucos lugares que poderiam possivelmente sustentar vida de alguma espécie, e há certas estranhezas na sua estrutura que tem levado à especulações malucas sobre ela ser artificial. Além disso, em noites em que o alinhamento orbital está perfeito, deve se ter uma ótima visão do peixe.

 

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Carlos Eduardo

Meu nome é Carlos Eduardo e já completei 37 primaveras. Meu sonho é ter um robô de estimação e viajar o mundo em um balão.