Precisamos falar sobre Jessica Jones (e Kilgrave!)
Jessica Jones estreou na sexta-feira passada na Netflix e já está em todos os lugares conquistando uma horda de fãs.
A história vem de uma linha de quadrinhos da Marvel, lançada em 2001 e intitulada “Marvel Max”, com foco em quadrinhos para maiores de idade. As histórias contavam com conteúdo violento, sexual e explícito.
Diferente de todos os heróis vistos até então, Jessica é uma anti-heroína, com super força, resistência e outros poderes (que eu não vou ficar contando para não estragar surpresas).
Existiu uma fase de sua vida em que ela se dedicou a salvar as pessoas. Vestia seu uniforme e tudo mais, mas um encontro com um vilão da pior espécie fez com que as coisas mudassem, ela desistisse da vida heroica e focasse apenas na sua agência de investigações particulares e seu whisky.
Bom, vamos falar sobre o vilão.
Quando anunciaram que David Tennant seria o ator escolhido para interpretar o Homem-Púrpura, a internet foi à loucura. Não era para menos. Tennant foi um dos melhores Doctors em Doctor Who e conquistou milhares de fandoms com seu carisma e interpretação. Não dava para não ficar ansiosa com isso. É um papel de muita relevância para a carreira do ator, até então estigmatizado como 10º Doctor.
Em Jessica Jones, David interpreta um homem violento chamado Kilgrave que tem a capacidade de controlar mentes e forçar as pessoas a fazerem qualquer coisa que seja sua vontade. Sim, qualquer coisa.
SPOILERS
E porque eu estou falando disso?
Porque mesmo com todos os abusos sofridos por Jones, físicos e psicológicos, e que claramente detonaram a personagem a ponto dela viver uma paranoia todos os dias, ainda vi pessoas idolatrando Kilgrave e torcendo para que ele e Jessica fiquem juntos, ou dizendo que está apaixonada por ele. Sim, pelo vilão, pelo cara que fez a personagem principal se sentir um lixo. E ela deixa isso bem claro o tempo todo.
Ao fazer Kilgrave mais encantador do que nos quadrinhos, Jessica Jones sugere uma verdade dura através das lentes de uma série de super heróis: abusadores não são só aqueles que ameaçam fisicamente. Eles cultivam um sentimento de confiança e intimidade com suas vítimas que mantém o ciclo de violência. Como na série, em que ele consegue manipular uma situação para ela enviar selfies e sorrisos diários por mensagem. Esse controle psicológico é tão terrível como a sua capacidade de fazer alguém jogar café escaldante em seu rosto.
Ao insistir que Jessica sorria, Kilgrave está imitando uma realidade tão culturalmente prevalente que já gerou até uma campanha para acabar com o assédio nas ruas chamada “Parem de dizer para as mulheres sorrirem“.
A metáfora aqui é óbvia. Embora os homens abusivos não possuam habilidades psíquicas de verdade, o seu controle sobre suas parceiras é real e difícil de explicar. A incapacidade de escapar é prejudicial e familiar para inúmeras mulheres. E sim, é real, não é mimimi. Você pode ler mais sobre como isso machuca aqui.
Em um dos episódios, a série até tenta fazer a gente engolir toda aquela coisa de “fui um filho criado sem amor” para justificar as ações de Kilgrave e, embora ele seja tão capaz de coisas boas como qualquer outra pessoa, ele é uma pessoa terrível e um vilão monstruoso. Sua completa falta de remorso ou entendimento praticamente garante que ele vai continuar a praticar tais atos no futuro.
Ele não é uma alma torturada que precisa de uma mão orientadora para ajudá-lo a ser melhor. Ele é um assassino em série emocionalmente abusivo e um estuprador, mas com um desempenho carismático que não deve nunca permitir que essa realidade seja ignorada. Uma infância de merda não exclui as consequências das ações que você toma, ok?
Então, se de alguma forma você pensou em romantizar isso, apenas pare. Isso é romantizar abuso doméstico e estupro.
O Tennant é maravilhoso? SIM! Sua atuação está extremamente fodástica e o vilão é um dos melhores já vistos na TV? SIM! Mas ele não é o Doctor, ele não é o Kilgrave, ele não é qualquer outro personagem que ele faça. Não confunda a admiração por um ator com admiração por uma pessoa odiável.
Mesmo ator, mesmas caras, personagens diferentes, não confundam, tá? 🙂
A realidade é dura, mas a gente luta para melhorar isso, certo? 🙂
[…] “Ao fazer Kilgrave mais encantador do que nos quadrinhos, Jessica Jones sugere uma verdade dura através das lentes de uma série de super heróis: abusadores não são só aqueles que ameaçam fisicamente. Eles cultivam um sentimento de confiança e intimidade com suas vítimas que mantém o ciclo de violência. Como na série, em que ele consegue manipular uma situação para ela enviar selfies e sorrisos diários por mensagem. Esse controle psicológico é tão terrível como a sua capacidade de fazer alguém jogar café escaldante em seu rosto.” Andressa Dreka – Precisamos falar sobre Jessica Jones. […]
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